segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Para que serve um Poeta
ou
Conversa de café

Mesa 8: Sabes a que cheira este País?
Mesa do Poeta: A que cheira a rua do meu País?
Mesa 8: Cheira a Merda!!
Mesa do Poeta: Uma multidão avança a passos curtos num rasto de medo
Mesa 8: Tenho pena é dos miúdos pá… Coitados, nem sabem o que lhes espera…
Mesa do Poeta: As crianças, ainda solares, desfraldam a brisa do mar
Mesa 8: E os velhos praí a morrer sozinhos?!
Mesa do Poeta: E os velhos num cheiro de pregas, abandono
Mesa 5: A comadre viu aquela coisa do Ébola?
Mesa do Poeta: A criança que olha atónita o médico astronauta
Mesa 5: Já não chegava a fominha que eles passam…
Mesa do Poeta: Tantos quartos vazios, fechados
Mesa 5: E os outros doidos lá em Paris? Ai meu Deus…
Mesa do Poeta: Necessito encontrar palavras que desviem os vossos olhos das minhas lágrimas
Mesa 8: Pois, mas pelos outros da Nigéria não saíram os políticos à rua! Isto é um mundo cão…
Mesa do Poeta: As vozes imolam-se perante tamanho silêncio
Mesa 2: A Carina é que estava linda no Sábado!
Mesa do Poeta: Cisnes
Mesa 8: Não sei o que será deste País…
Mesa do Poeta: Invejo aqueles que vêm a alvura de olhos fechados
Mesa 5: No Domingo fui mais cedo à missinha pra rezar por aquelas alminhas.
Mesa do Poeta: Todas as orações contêm silêncios dentro, na respiração das palavras
Mesa 5: Nem imagino o sofrimento daquelas famílias…
Mesa do Poeta: A erudição de quem tudo perdeu
Mesa 2: E a mini-saia da Patrícia?!
Mesa do Poeta: Címbalos
Mesa 5: Olha que ainda assim, nós por cá, temos muita sorte.
Mesa do Poeta: A aleatoriedade do sofrimento
Mesa 8: Os outros puseram-se a brincar com o fogo e olha no que deu...
Mesa do Poeta: Importante é procurar quem tenta subverter a perversidade
Mesa 5: É a sorte… ou o destino…
Mesa do Poeta: Sorte e Destino… palavras tão leves. Como fazer chão com elas? E ar, e água e fogo, vida e morte?


Então o Poeta, como sempre, abre o jornal e procura o obituário para se certificar que o seu nome não consta.

Pedro M Loureiro 2015

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Outro Tempo


























No tempo em que contávamos histórias antigas
A imobilidade era abundante.
As vozes em compartimentos
buracos
num clamor elástico
Carvão em brasa na boca
Numa consistência consagrada
que palpita
pende.

Pedro M Loureiro 2014

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Farol

"As cruzes não ficam eternamente ao alto"

Aguardo o chamamento dos pavões em surdina para me verter nos beirais
Então os olhos enxergarão mais fundo o desenho em que nenhuma recta é mais possível.

Nem um sinal da tempestade solar.

No bosque o tempo faz o seu trabalho
Os charcos pantanosos instáveis
Ao longe, 
na vereda íngreme, 
alcateias submergem dos seixos.

Esta terra não dá sonhos...

A violência dos elementos numa concavidade rochosa
Toda a matéria inerte punção.

A criança órfã olha atónita o médico astronauta
O gato cofia hipérboles financeiras
Os abutres multiplicam-se na combustão do medo
E o poeta é o farol que nos guarda com os olhos dos cegos.



Pedro M Loureiro 2014

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Gerador/Generator



Todas as noites saio a pisar estrelas,
numa rota concreta,
                              a da tua luz,
                                                que me cega na sua amplitude.

Juraria que a tua luz uma linha que me une as costas,
O corpo recusa-se à inversão,
Para trás fica apenas o rasto do teu halo
na extensão de um cilindro,
                                           cone no infinito,
e a todo o momento aguardo,
a cruzar o eu,
o teu salto de leoa.

Voltarei amanhã!

A seis mãos

Every night I go out to step on stars,
on a specific route,
to thy light,
that blinds me in its breadth.

I'd swear your light a line joining my back,
The body refuses to reverse,
Behind stays just the trace of your halo
in the extent of a cylinder,
                                      cone at infinity,
and at any moment I wait,
crossing the I,
your lioness jump.

I´ll come back tomorrow!

Pedro M Loureiro 2014

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Uma Ligeira Dor / A Slight Pain

Uma Ligeira Dor

Saímos a pentear o vento,
Um chamamento desesperado de sopro na nuca,
E toda Tu espinhos,
Eu touro oblíquo
a esticar os cornos à tempestade.
....
Há um velho desígnio
fundado na surdez da tragédia,
Nítido,
De continuidade

Primeira aguarela das minhas meninas.
My girls first watercolors.

A Slight Pain

Off we ant combing the wind
A desperate call for sighing on the nape of the neck
And You, covered in thorns
And I, an oblique bull
with my horns up high
facing the tempest.
....
There is an old fate
founded on the deafness of tragedy,
Crystal-clear,
That never ends

Pedro M Loureiro 2014

Translation by Maria Cota (http://pechisbeque.blogspot.pt)

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Reflexos e Sombras/Reflections and Shadows

Ensinaste-me o Amor pela cartilha dos silêncios,
Toda a coreografia de sons,
                                                       mímica,
Uma cartografia de gestos pressentidos,
A percepção de ti em mim.

Falta-me o teu tempo infância,
O eco vibrante do silêncio.


You've taught me Love by the book of silences,
The whole choreography of sounds,
                                                                   mimics,
A cartography of guessed gestures,
The perception of you within me.

I miss your childhood times,
The vibrant echo of silence.


Pedro M Loureiro 2014

Translation by Maria Cota (http://pechisbeque.blogspot.pt)
Drawings made at the "Workshop de Desenho no MUHNAC" with João Catarino (Checkout his great blog and drawings at http://desenhosdodia.blogspot.pt)